Caridade por um fio

"- Bom dia, eu gostaria de falar com a responsável pela residência?
- Ela não está (enquanto minha mãe comprimia um riso e continuava a digitar no computador). Quem gostaria de falar?
- Aaaai, aqui é da Casa da criança feliz! Sabe, querida, é que nós estamos ligando pedindo apenas uma pequena colaboração de apenas cinco reais, sabe, querida?
- Acho que a dona da casa já ajuda algumas instituições. (E ajuda mesmo, Lar dos velhinhos, Boldrini entre outras)
- Mas nós estamos pedindo só cinco reais! Eu posso estar contando com a sua ajuda, querida?
- Ah.... não.
- Mas...
- Não, muito obrigada. Boa sorte!"

Na verdade, não sei o que me irrita mais nas atendentes de tele-marketing, as que ligam (sim, um por um) pra todos os números da lista telefônica pedindo quantias que apenas começam razoáveis: suas vozes melosas (aliás, será que é por isso que são quase todas mulheres?), seus lamentos quase miados (é incrível, quase consigo ver a expressão de 'gato do shrek' que elas fazem enquanto discursam longamente sobre a precária estrutura das instituições que representam), seus gerundismos ou sua irritante perseverança, que sinceramente é eficaz em me fazer sentir culpada.

Elas ligam normalmente de manhã, quando, presumem, as donas de casa (talvez nesse único horário que não estão ainda completamente envolvidas em suas pesadas rotinas) estão em casa, fazendo o que quer que seja, e quando não há dona de casa, sempre há aquela empregada meio surda devido ao prolongado uso do aspirador de pó, que diz "aham, sim, a dona da casa não está, acho que sim, não, não sei quando ela volta, não sei" e provavelmente acaba sendo levada por sua desatenção e pela quase malandragem da atendente a aceitar doar algo para o próximo mês.

Francamente, você já ouviu uma atendente dessas em ação? Elas são capazes de segurar os mais pacientes por minutos a fio, descrevendo os objetivos da instituição, a escassez de infra-estrutura e a necessidade constante das crianças, velhinhos, deficientes físicos ou mentais. Não estou dizendo com isso que elas estejam mentindo, só que a estratégia de "sensibilizar para receber a contribuição" é muito... não sei como descrever. Quase capitalista, entendem? É como a mídia de grande circulação, em sua maior parte: sensacionalizam tudo com um objetivo calculado de forma nada parecida com a sensibilidade com que nos falam.

E o mais importante: não aceitam "não" como resposta: inventei um nome para meu 'personagem' a fim de contornar essa cobrança e não ter de ouvir repetidamente o discurso decorado e entonado, quase lamuriando. Eu sou apenas a empregada, a Cacilda, e minha mãe tambem entrou 'na brincadeira': ela é a empregada Jacira. E o mais impressionante é que elas ligam todos os dias, no mesmo horário, ainda que eu tenha afirmado veementemente que a dona da casa está trabalhando até de noite. Não quero acreditar que ela esteja tentando "me pegar", sabem? Eu atender distraidamente o telefone.... e pronto. Lá estou eu sendo cativada a ajudar com uma pequena quantia a necessitada instituição X (estou sendo repetitiva de propósito. Viu como é irritante?).

De uma forma ou de outra, elas vão continuar ligando, e pedindo, e miando, sem que nós possamos fazer muita coisa para evitar. Podemos nos passar por outras pessoas, dizer que não podemos, que estamos de saída. Ainda assim, não há nada que nos proteja de, qualquer dia, sem maiores avisos, ser invadido pelo reconhecível discurso: "Meu nome é fulana... sou da casa da misericórdia..." . Incrível como a apelação começa no nome da instituição. E só termina (se é que termina, ao fim da chamada) até a ligação da manhã seguinte.

(dedicado à minha mãe, que é 'Jacira' pela manhã há mais de uma semana; inspirado pelo post do Antonio Prata)

4 comentários:

Nadezhda disse...

Eu detesto quando elas ligam. Tanto para pedir doações, ou pra dizer que ganhei uma bolda pra pagar 75% do valor.

As instituição, em vez de ligar, e pedir apenas cinco reais, poderiam pomover eventos beneficentes, não tão chatos, que vale mais à pena.

(Muita gente não doa porque detesta o telefone).

;)

Unknown disse...

Eu adoro seus posts.
Keep moving. ;3

Lelli Ramz disse...

Para mim o pior é o gerúndio tão amado pelas atendentes!!

hauhau lembra..??

Eu vou estar transfirindo...

e eu aqui imaginando a atendente num telefone de manivela....

bjaum.. querida e paciência!!
Lelli

Stella disse...

cacilda e jacira, adorei.
bem modernista!